Alguns escritos de caderno 2

Não te pedi nada. E nem isso você soube dar.


Romance - Chris Craymer

O Teatro da Moça Banal


Tati Bernardi

Olho pela sacada da minha casa e vejo você chegando. Corro para o enorme espelho do meu quarto e repito em mantra: eu não gosto dele, eu não gosto dele, eu não gosto dele.
Tenho quase 30 anos e consegui estragar todos os meus relacionamentos simplesmente porque gostei demais das pessoas. Dessa vez quero acertar, por isso combinei comigo que, apesar de estar morrendo por você, não gosto de você. Espero você tocar a campainha olhando o escuro pelo olho mágico. Meu coração dispara, mas eu mando ele parar. Estraguei todos os meus relacionamentos de tanto que meu coração dispara. Dessa vez quero acertar, dessa vez quero que alguém fique comigo ao menos um mês sem me achar louca. Cansei de sempre ser a garota louca que espanta todo mundo.
Você tem cheiro de roupa limpinha com mente suja e eu quero te rasgar inteiro. Mas apenas te dou um beijinho no rosto. Preciso me comportar. Ser como as minhas amigas que se dão bem e arrumam namorados apaixonados. Há anos que eu rasgo os rapazes, enlouqueço, me apaixono, devoro. E termino sozinha no Espaço Unibanco, querendo morrer enquanto olho sem fome para o pacotinho com dez minipães de queijo.
Chega. Dessa vez vou acertar. Não vou chorar na sua frente porque acho um absurdo estar viva, não vou pirar porque deu quatro da manhã e eu tenho a impressão de que a noite é uma coisa de pirar a cabeça. Não vou beijar sua nuca no meio da noite e gostar de você como naquela canção do Legião, que diz que é como se não houvesse amanhã. Eu gosto das pessoas pelo prazer de gostar e não porque deu tempo de gostar delas. E ninguém entende nada. E todo mundo se assusta. Mas prometo ser uma mulher normal dessa vez.
Você não sabe porque eu não te atendi o dia todo. Eu te conto que é porque estava muito ocupada. Minhas amigas sempre usam essa desculpa e sempre namoram. Eu era a louca que nem esperava os caras ligarem e já ligava pra eles.
Mas dessa vez tô ignorando o telefone. Mesmo que ele fique no meio das minhas pernas o dia todo esperando um telefonema seu. Mas você jamais vai sabe disso.

E jamais vai saber mesmo, sabe por quê? Porque você é o primeiro homem do mundo que não sabe que eu escrevo sobre a minha vida. Chega. Todos os homens morrem de medo disso e eu não agüento mais essa porra dessa solidão que me dá toda vez que procuro um pouco de amor nos beijos e abraços curtos que alguém me dá só pra poder transar depois. Chega.
Aí você fala que vai cortar o cabelo e eu quero implorar pra você não cortar. Porque esses seus cachos acabam comigo. O cheiro do seu cabelo. A maneira descabelada que você usa pra parecer arrumado. E eu amo a sua cara de argentino e que você odeia os argentinos. E eu amo como a sua calça nova cai bem em você e como você fica elegante de chinelo. E eu quero te pedir pra deixar tudo como está e não cortar meus cachos prediletos de todos os cachos. Você me salvou. Eu não agüentava mais pensar nos mesmos caras que eram sempre os mesmos caras.Você é novinho em folha e eu sou louca por você. Mas tudo isso eu não te conto pra você não achar que eu sou louca. Chega. Dessa vez vou fazer tudo certo.
Já é a sexta vez que você vem à minha casa e até agora nada. Não transei com você. Apesar de pirar na sua barriga e na sua nuca. E de querer eternizar o seu cabelo e o seu nariz feio. E de achar que o seu cheiro é o cheiro de uma nova vida que eu estava precisando tanto. E de eu te adorar principalmente porque eu já nem sabia mais como era adorar alguém novinho em folha. Não, não transei com você. Chega de transar sonhando em andar de mãos dadas. Agora vou andar de mãos dadas pra ver se vale a pena transar. Porque dessa vez vou fazer tudo direito. Chega.
E você nem sonha que eu sou meio bipolar, quero ser mãe e acredito no amor da vida. Acredito no amor pra sempre. Acredito em alma gêmea. Você nem sonha com essas coisas porque só conversamos coisas leves e engraçadas.
Chega de ser a louquinha intensa. Maior legal transar e se divertir com a louquinha intensa, mas quem agüenta o tranco de me assumir, de me amar?

Ninguém. Chega.
E eu corro no espelho de novo e repito cem vezes que não gosto de você. Não gosto de você. Não gosto de você. Porque se eu gostar de você, eu sei que você vai embora. E eu simplesmente não agüento mais ninguém indo embora. Porque nessa vida maluca só se dá bem quem ignora completamente a brevidade da vida e brinca de não estar nem aí para o amor. E eu preciso me dar bem e por isso ignoro minha urgência pelo amor. Porque, se você sentir urgência em mim, vai é correr urgente daqui. Chega.
E você implora pra gente finalmente transar. Já é a sexta vez que você vem aqui. E eu quero muito. Muito. Porque você tem a voz mansinha e só fala coisa inteligente. E você é cínico sem ser maldoso. Mas não, não.. E eu quero ganhar. Só dessa vez. Chega.. Estou morrendo de vontade de ser eu, mas ser eu só tem me feito perder e perder.
E eu quero me dar de bandeja pra você. E dentro de mim uma voz diz: pira Tati, enlouquece. Vive um dia e já está bom. Depois eu demoro semanas pra me levantar, mas pelo menos fui intensa e vivi um dia. Mas não agüento mais nada disso. Quero viver uma história. Por isso dessa vez não vou transar e nem gostar de você. Tchau. Peço pra você ir embora. E você jura que eu não estou nem aí pra você. Melhor assim. Dessa vez quero fazer tudo certo. Chega de fazer tudo errado. E eu te espio da janela, indo embora. E quero berrar o quanto gosto de você.
E te pedir em namoro. E rasgar sua roupa. E te comer. E dormir enroscada no seu cabelo. E te mandar flores amanhã. E mais uma vez agir como um homem. Mas eu cansei de ser homem. Chega de usar o homem que eu não sou pra ferrar comigo. Eu sou menina. E meninas só transam depois do sexto encontro. Ou depois que o cara fala que gosta delas. Dessa vez vai ser assim. Chega.
E se você não se apaixonar por mim mesmo com todo esse teatro de moça banal que eu estou fazendo, vai ser a prova de que eu precisava pra saber que você realmente vale a pena.




Para a mulher da minha vida

Hoje eu resolvi falar de você, para você. As pessoas mais importantes da minha vida, seja por uma semana, pela eternidade jurada, ou pelos anos passados, já estiveram em textos meus. Agora é a sua vez. Talvez porque eu sinta a sua falta. Ou porque eu tenha uma premonição que dessa vez você não vai voltar. Quero deixar eternizado, em palavras que um dia eu conheci a mulher que se tornaria a mulher da minha vida. Não digo isso pra todas, amor.
Você achou o que? Que poderia sair assim da minha vida, pela porta dos fundos, sem ao menos se despedir, como se fosse uma daquelas pessoas de quem te falava?
Espero que você tenha total noção de que nada de mim foi mentira. O meu diário ambulante não tem o direito de sair por ai sem o meu consentimento. Você nunca foi um dos meus amores de uma semana.
Sabe, no dia em que eu for embora daqui. E rezo todos os dias pra que isso aconteça o mais rápido possível. Pretendo tirar você daí. Isso foi uma das minhas primeiras promessas a você, e vou cumprir.
Eu cresci com você, e isso faz com que tenha um pouquinho de você em cada pedaço de mim. Você não vai sair assim, não mesmo, não pode. Nada nesse mundo levará você de mim. E quando o dia te levar embora chegar, irá existir Junos, Ires, Rudás, sofás de zebra, comunidades hippies, cabeludos, músicas foça e tudo mais o que a gente tenha direito. Na hora em que der vontade. Ninguém é infeliz pra sempre. Você fez com que a minha falta de sentido na vida fizesse sentido. Esse eu te amo de fim de sexta-feira, numa noite fria do caralho, vai pra você. Vê se volta, existe alguém do outro lado do Brasil, que nunca te viu, que quer ouvir sua voz pela segunda vez, que não vive sem suas gírias gays, suas piadas nerd e a sua graça na tristeza. Existe alguém que quer que você saiba que quebrou a cara mais uma vez, mas que já tá tudo colado no lugar.
Porque na minha vida rápida, no meu coração escorrendo cola, das lágrimas perdidas por gente que não merecia, de todos os corações que tenho tatuado de você me lembro mais. Existe um espaço num cantinho do meu coração só pra você.
Se cuida tá? Que todas as coisas possam fazer sentido a partir de agora. Não entendo sua escolha mais aceito. O blasé e sem graça de sempre: eu amo você.
Pode não ter sido o mais bonito, nem o mais poético. Eu sei que você tá ai em algum lugar, foi pra você.